Título: Sangue, ossos & manteiga
Título
original: Blood, Bones & Butter
Autora: Gabrielle
Hamilton
Tradutor:
Lucas Murtinho
Editora: Rocco
(ver site)
Número de
páginas: 384
Ano de
publicação no Brasil: 2011
***
"Na
faculdade, conheci a escritora sulista Jo Carson, que me disse: 'Cuidado com o
que você aprende a fazer bem, porque é o que vai fazer pelo resto da vida.' E
aquilo ficou na minha cabeça para sempre. Às vésperas do meu trigésimo
aniversário, pensei que seria útil descobrir se eu tinha outro talento que não
fosse aguentar turnos de vinte horas sem reclamar, fumar cigarros sem filtro e
xingar mais do que meus colegas homens." (p. 118)
Apesar de
nunca ter planejado abrir um restaurante, esse foi o caminho que se abriu para
Gabrielle Hamilton, caçula de mãe francesa e pai americano (com quatro irmãos
mais velhos) e atualmente dona do restaurante Prune ["ameixa" em
francês, apelido carinhoso pelo qual era chamada pela mãe quando criança], em
Nova York.
Nessa
autobiografia tragicômica, além de contar sobre como foi abrir um restaurante sem ter planejado (como nada na vida dela parece ter sido), Gabrielle também descreve acontecimentos
de sua vida desde que seus pais se separaram e ela precisou arrumar um emprego
em um restaurante aos 13 anos até a abertura de seu badalado restaurante.
Depois que se formou no ensino médio, arrumou suas coisas e se mudou de uma
cidadezinha chamada New Hope, na Pensilvânia, para Nova York, aonde foi fazer
faculdade e passou a trabalhar em um bar no estilo cowboy. Lá se envolveu em
confusões e precisou se mudar para outra cidade.
Em meio a
vários trabalhos envolvendo comida, em restaurantes, buffets e acampamento para
crianças, Gabrielle tentava se encontrar. Em uma viagem que fez à Grécia, com
muito pouco dinheiro, ela descreve um momento muito reconfortante, em que um
conhecido de sua irmã prepara uma refeição simples, mas deliciosa para ela, que
estava faminta:
"Provavelmente
vinte anos mais velho do que eu, com um grande bigode e rugas de riso ao redor
dos olhos verdes, Iannis me encontrou na praça Omonia, me levou a seu
apartamento e, sem nem perguntar, começou a fritar, em azeite de oliva, dois
ovos com as gemas laranja mais escuras que eu já tinha visto, depois os salpicou
com sal marinho grosso e cortou uma fatia de um pão grosso e crocante. Num
liquidificador, ele misturou maçã, mel e leite, e me serviu aquela refeição
incrível e refrescante com um vasto sorriso. Eu ansiava por sal e amido. Ovos e
pão." (p. 170-171)
[Depois
de ler esse trecho do livro, fiquei com muita vontade de provar maçã, mel e leite
batidos no liquidificador. É muito bom.]
Gabrielle
também conta sobre seu afastamento da família, exceto da irmã Melissa, a relação
com a namorada que teve, até encontrar um italiano que viria a ser seu marido,
sobre o filho, sobre uma viagem à Itália que fez para conhecer a família do
marido, sobre outra viagem que fez com o marido para visitar a própria mãe, que não via fazia uns vinte anos, em Vermont. No
entanto, ela não cai na tentação de fazer tudo parecer cor de rosa, pelo
contrário, conta de um jeito aparentemente sincero sobre a sensação de deslocamento,
as dificuldades pelas quais passou e de relacionamento humano e, às vezes, sobre a falta de sentido de se
viver determinadas situações.
***
A receita
de hoje, baseada em Sangue, ossos & manteiga, é do "Breton
butter cake" ou simplesmente "bolo bretão", proveniente da
região da Bretanha (daí o nome), na França. Esse prato não aparece no livro,
mas foi escolhida por estar no cardápio do restaurante Prune e, depois,
descobri que a Gabrielle publicou o artigo The Chef, em 4 de abril de
2001, sobre este bolo, e também sua receita, em sua antiga coluna no jornal The
New York Times (que traduzi abaixo, exceto a receita, pois usei outra).
Quem quiser ler o artigo e a receita original, em inglês, clique aqui.
"Provei
o Breton butter cake, ou Kouing-Aman, pela primeira vez quando tinha 5 anos.
Minha mãe, que é francesa, costumava nos levar a Bénodet, uma cidadezinha
litorânea em Brittany [noroeste da França], onde almoçávamos grossas fatias de
pão com uma distinta manteiga com sal de Brittany e uma grande travessa de
frutos do mar. Depois, parávamos em uma confeitaria para comer uma fatia desse
bolo esfarelante, denso, doce e salgado.
É bem
parecido com a massa folhada, apenas mais doce, com macias camadas amanteigadas
que crescem de forma desinibida, apesar da gravidade. Na superfície, uma fina
crosta quebradiça com perfume de água de flores de laranjeira, açúcar e mais
manteiga.
Demorei
meses para tentar recriar o bolo aqui,
com uma manteiga americana menos cremosa e menos salgada. Quando finalmente
acertei - uma questão de equilibrar o açúcar e o sal -, coloquei-o no menu e
servi como se faz na França: uma fatia colocada em um prato. Sem raminho de
hortelã. Sem sorvete. Sem enfeites ridículos.
E o que
aconteceu? Ninguém o pedia. Os atendentes não sabiam como vendê-lo. A
confeiteira, na época, tinha mil ideias para melhorá-lo. Sugeriu que eu
escaldasse um pedaço de fruta para servir com ele ou fazer uma geleia para
colocar sob o bolo. As sugestões dela me deixaram tão deprimida que precisei
descer para o porão para ficar na minha e me recuperar. Agora o padrão são
sobremesas com vários componentes. Fiquei triste porque não conseguia oferecer
algo simples e que não precisasse de explicações.
Estava
frio e silencioso ali naquela noite. Me debati com isso a noite toda. Frutas?
Geleia? Calda? Nada disso parecia bom. Continuei me perguntando: o que mais eu
gostaria que viesse com esse bolo? Afinal de contas, é um bolo completo, uma
sobremesa marcante. Gosto de brincar com isso como um bartender faz piada sobre
jogar uma garrafa de vermute sobre um martíni apenas para mostrar como ele é
seco; esse bolo é só manteiga e açúcar e passamos direto pela lata de farinha.
Finalmente
retornei, decidida a deixar o bolo em sua esfarelante e maravilhosa
simplicidade. Mas nós o serviríamos com uma taça de vinho de sobremesa, Muscat
de Beaumes-de-Venise. Assim como o bolo, ele é bastante perfumado. O vinho
resolveu o problema; colocou um ponto final na história. Um jato de espresso
teria o mesmo efeito.
Não é um
bolo fácil. Leva a manhã inteira para ser feito. No entanto, é sensualmente
gratificante. A massa está fresca, a superfície suave em uma mesa, o mármore
pálido da manteiga sendo incorporado à massa, a extensa camada de massa antes
de ser dobrada, como madeira recém-cortada. É suave e quase branca. E, é claro,
seu cheiro saindo do forno - esfuziante, perfumado e açucarado - deixa qualquer
pessoa na cozinha com água na boca."
***
Breton butter cake
Ingredientes:
350g de farinha de trigo
350g de manteiga com sal
derretida
300g de açúcar
1 colher (sopa) de essência de
baunilha
1 ovo inteiro
2 gemas
1 colher (sopa) de água de flores
de laranjeira
1 colher (sopa) de leite
Modo de fazer:
Numa tigela, misture a farinha, o
açúcar e a essência de baunilha. Faça um buraco no centro e coloque o ovo, uma
gema, a manteiga derretida e a água de flores de laranjeira. Misture todos os
ingredientes com uma colher de pau, sem bater demais.
Preaqueça o forno a 180°C e unte a forma. Coloque a massa na forma e acerte sua superfície com a palma da mão. Misture a segunda gema e o leite e pincele para dourar. Asse por 50 minutos.
Quase uma hora depois...
Manteiga derretida
Água de flores de laranjeira do Líbano, encontrada no Pão de Açúcar
Preaqueça o forno a 180°C e unte a forma. Coloque a massa na forma e acerte sua superfície com a palma da mão. Misture a segunda gema e o leite e pincele para dourar. Asse por 50 minutos.
Massa pincelada com uma gema e uma colher de leite misturadas
Quase uma hora depois...
Acompanhamento - geleia de
laranja:
Uma sugestão do chef francês é
servir o bolo acompanhado de geleia de laranja.
Descasque três laranjas, retirando todas as membranas brancas entre os gomos. Esprema os gomos para tirar o suco. Reduza-o à metade com 150g de açúcar e baunilha. Acrescente os gomos espremidos e cozinhe em fogo brando até que o suco seja completamente absorvido.
Leite + maçã + mel, batidos no liquidificador:
Descasque três laranjas, retirando todas as membranas brancas entre os gomos. Esprema os gomos para tirar o suco. Reduza-o à metade com 150g de açúcar e baunilha. Acrescente os gomos espremidos e cozinhe em fogo brando até que o suco seja completamente absorvido.
Leite + maçã + mel, batidos no liquidificador:
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